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23 de março de 2011

Contribuição para o planejamento de parque estadual na Baixada dos Goitacazes

O Governo do Estado, através da Secretaria de Estado do Ambiente decidiu criar um parque estadual para proteger áreas úmidas, restingas e lagoas da região norte fluminense. Embora seja uma iniciativa excelente, a proposta precisa sofrer alterações para que o parque possa ter maior viabilidade técnica e ser aceito socialmente da melhor forma possivel, de modo a contornar conflitos que de outro modo, podem paralisar e atrasar sua implantação.

Como conheço bem a região, tendo escrito um livro em parceria com Aristides Soffiati, um dos maiores especialistas da história, geografia e ecologia daquelas paragens, dou a seguir minha contribuição.

A baixada dos Goitacazes

A baixada dos Goitacazes ou Campista é uma grande planície consituída por dois tipos básicos de terrenos: argilosos e arenosos. Nela existiam diversos ecossistemas e habitats como rios, canais, lagoas, brejos, campos periodicamente ou permanentemente inundados, florestas de áreas inundadas (matas aluviais), vegetação de restinga e manguezais. Na época de chuva, rios, canais e lagoas transbordavam, inundando a vasta planície. Dezenas de lagoas dos mais variados tamanhos eram conectadas por uma intrincada rede de canais e brejos rasos. Era um genuíno “pantanal fluminense”.

Ao sul do rio Paraiba, as águas da baixada escoavam para o mar através do rio do Açu (chamado por alguns de lagoa do Açu) e, às vezes, por meio das barras sazonalmente abertas das lagoas de Grussaí e Iquipari. No final do século XVII ocorreu a abertura de um canal que permitia o escoamento mais rápido das águas para o mar. Rompendo o cômoro na restinga, foi erguida a barra do rio Furado, que, ao lado do rio Iguaçu, passou a esgotar as águas retidas no continente por ocasião das cheias, diminuindo o papel do rio Açu. As obras de macrodrenagem realizados pelo extinto DNOS nos anos de 1930-50 promoveram uma drástica redução do pantanal e das lagoas permanentes, além de minguar ainda mais o rio Açu.

Importância Natural e Histórica

A primeira vista, o Parque Estadual se propõe a proteger: i) conjunto de alagados e brejos conhecidos localmente como Coqueiros, Largo das Cruzes, Mulaco, Ciprião, Saco Grande e Cargueiro, situados ao norte da estrada Campos-Farol de São Tomé ; ii) uma parte do canal Quitingute, iii) uma parte da lagoa do Açu (rio do Açu); iv) a lagoa Salgada e seu entorno e v) remanescente da restinga de Xexé. Os habitats do parque são importantes para reprodução e criação de peixes nativos, além de abrigar aves migratórias, e até mesmo animais ameaçados como a lontra e o jacaré-do-papo-amarelo. E certamente tem elementos da flora nativa dos “campos dos Goytacazes”. Estudo recente registrou 58 espécies de aves, sendo que várias são migratórias da América do Norte como Pluvialis squatarola, Charadrius semipalmatus, Tringa melanoleuca, Tringa flavipes, Arenaria interpres, Hirundo rústica. , que apresentam grande concentração entre outubro e fevereiro.

A importância histórica dos ecossistemas decorre do fato de que até o século XVI, as águas da lagoa Feia escovam para o mar pelo labirinto de canais da área do parque, prosseguindo depois pelo rio Açu. O cabo de São Tomé, parcialmente protegido por essa futura Unidade de Conservação, é também um acidente geográfico de importância histórica. A restinga deve possuir sitios arqueológicos. O heliporto de Farol de São Tomé é o vizinho ao sul.

Alteração do nome do Parque

Dar nome correto para um parque pode fazer a diferença no futuro. A denominação aventada de Lagoa do Açu, não é adequada ou atrativa pois:

Nunca existiu lagoa do Açu, mas sim rio Açu, por onde fluiam as águas da Lagoa Feia para o mar. Tornou-se lagoa devido ao impacto ambiental de obras muito antigas. Basta ver o forma do corpo d’água;
A maior parte da área protegida não é da lagoa do Açu. O banhado a oeste dela não tem este nome;
O que de mais valioso existirá no parque são pantanais rasos (alagados, banhados ou brejos), uma amostra de como era a planície dos Goitacazes antes de ser significativamente drenada
;

Tendo em vista estes aspectos sugiro que o nome seja alterado para Parque Estadual do Pantanal dos Goitacazes, ao mesmo tempo homenageia os índios que viviam em toda a planície e os ecossistemas. O termo pantanal, além de ser tecnicamente legítimo para o ecossistema predominante no futuro parque, tem apelo popular muito maior que “lagoa do Açu”, brejo, alagado ou banhado, este último mais empregado no sul do Brasil. O parque nasceria com um nome muito forte, uma marca para atrair simpatias e visitantes para conhecer e valorizar os ecossistema e a região.

Abrangência Espacial

Recomenda-se a não-inclusão da Lagoa Salgada e de parte do rio do Açu a jusante da ponte de Maria Rosa ao Parque. Em contrapartida, sugere-se a inclusão de áreas de alagados a oeste da lagoa Lagamar e do trecho da praia do Açu situada a partir da barra do rio do Açu para o sul até a estrada de Maria Rosa, pois a praia deserta é um enorme atrativo, além de abrigar vegetação de restinga e livrar a região de loteamentos de baixa qualidade sem qualquer infra-estrtutura. A medida em nada afetará o mercado imobiliário, já que existe um estoque gigantesco de lote vazios. Ao contrário, a existência do parque irá valorizar os lotes. Por fim, uma estrada litorânea ali é bastante arriscada devido a instabilidade do litoral.

O Rio Açu

Simultaneamente a criação do Parque, é recomendado que seja estabelecido o Refúgio da Vida Silvestre (RVS) do Rio Açu, abarcando o trecho do rio a jusante da ponte de Maria Rosa até a barra, pois a medida não implica em desapropriação ou impedimentos à pesca, mas freia a tendência de ocupação das margens, materializa a faixa marginal de proteção, ordena a pesca e protege o rio e seu manguezal da foz. O rio Açu tem grande potencial turístico e recreativo e se encontra em bom estado, mas ameaçado pelo avanço da área urbana de Barra do Açu. Cabe assinalar que RVS não impede a pesca nem o uso público. O Refúgio pode ser também gerenciado pela equipe do Parque. Proibir a em pesca em todo rio Açu não é prudente.

Lagoa Salgada

No entorno da Lagoa Salgada vive uma população bastante pobre, que tira seu sustento plantando em solos de baixíssima produtividade agrícola devido a consistência arenosa. No primeiro momento, talvez seja melhor declarar a lagoa e seu entorno como Monumento Natural, e trabalhar a gestão com a comunidade de modo a melhorar o padrão de vida dela com o turismo e ao mesmo tempo melhorar a lagoa e suas margens. A inclusão da lagoa no Parque crirá conflitos e inseguranças sociais desnecessárias que consumirão tempo e energia. O Monumento Natural pode ser perfeitamente administrado pela equipe do Parque Estadual, bastando uma sub-sede local com um sala funcionando como um pequeno Centro de Visitantes para ajudar a interpretar a lagoa e seus estromatólitos.

A comunidade local pode ser treinada para oferecer caminhadas guiadas, passeios de barco com pescaria, alimentação, campings, aluguel de canoas e várias outras atividades. O canal que liga a lagoa ao rio Açu pode ser melhorado para manter o nível da lagoa Salgada e propociar uma rota para passeios de barco e canoa. Incluir o canal de ligação com o rio Açu na superficie do Monumento Natural. Em suma, como Monumento Natural pode-se converter a lagoa em um destino turistico e assim valorizá-la e protegê-la.

Alagados a oeste da Lagoa Lagamar

A oeste e bem próximo da lagoa Lagamar esta uma área de alagados fundamental para a proteção da Vila de Farol de São Tomé contra enchentes, que merece ser avaliado para inclusão no parque.

Novas Audiências Públicas.

Pode ser enriquecedor realizar outras audiências públicas, em especial em Farol de São Tomé e Barra do Açu.