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15 de julho de 2011

O Desafio das APAs no Estado do Rio de Janeiro, I – Antecedentes e Situação Atual

Área de Proteção Ambiental - APA é uma unidade de conservação inspirada nos Parques Naturais existentes em Portugal, Espanha, França, Alemanha e Itália, cujo estabelecimento deu-se pela Lei Federal 6.902 de 27 de abril de 1981. Posteriormente, a Resolução CONAMA nº 010/88 forneceu maiores especificações. A definição legal mais recente é dada pela Lei do SNUC, de 2000. Basicamente, uma APA visa compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável dos recursos naturais. O ordenamento territorial é o principal instrumento pelo qual se busca construir esta convivência.

A primeira APA Estadual foi criada em 1984 (APA Maricá), dois anos após a primeira APA Federal, a de Petrópolis, estabelecida pela então Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA) do Ministério do Interior.

De 1984 até março de 2007, as APAs estaduais foram gerenciadas pela extinta Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente - FEEMA. A política da FEEMA era criá-las em territórios de excepcional valor ambiental, mas impossíveis de serem convertidos em parques ou reservas biológicas, dada a ocupação pretérita. As APAs eram uma forma de intervenção branca do Governo do Estado em um dado território, cujo ordenamento territorial (zoneamento) era ausente ou extremamente permissivo, ou onde o Poder Público Municipal tinha incapacidade técnica e operacional de impor o zoneamento através de licenças, incentivos e fiscalização eficiente. Ou tinha má vontade. Ou tudo junto, que era mais comum.

Com a criação da APA, o Governo Estadual estabelece um zoneamento mais adequado à conservação e baixa um decreto com regras para que ele seja cumprido. A partir daí, passa a licenciar a ocupação do solo muitas vezes de forma divergente da Prefeitura. Em resumo, as APAs eram utilizadas como ferramentas auxiliares do processo de licenciamento, objetivando ordenar e controlar o uso da terra. Alguns lugares passarem a ter dois zoneamentos. O da APA e aquele estabelecido no Plano Diretor Municipal, como em Angra dos Reis e São Pedro da Aldeia. Esta era a visão que perdurou por muito tempo.

As APAs abarrotaram de processos administrativos o já superlotado sistema de licenciamento da FEEMA, que agora passava a analisar pedidos de loteamentos, casas, ligação de energia e outros. Olhando hoje é fácil criticar a forma como as APAs eram criadas e administradas. Contudo examinando-se a conjuntura política, técnica e financeira, foi uma estratégia correta que salvou várias áreas de serem completamente destruídas. Umas mais, outras menos. O problema é que o enfoque não avançou. Do jeito que foi concebido permaneceu até se esgotar. Até o final de 2007, as APAs jamais haviam tido administradores, sede (exceção da APA Massambaba, graças ao Consórcio Intermunicipal Lagos São João), equipamentos, orçamentos próprios e conselhos.

Em março de 2007, as APAs foram transferidas da FEEMA para o IEF, uma medida há tempos reivindicada por diversos setores da sociedade, mas que sobrecarregou o segundo, que nunca teve pernas sequer para cuidar dos parques e reservas a seu encargo. Mesmo assim, a partir de então as APAs ganharam administradores - uma bem bolada ginástica onde IEF e FEEMA somaram cargos e gratificações - e, posteriormente, veículos e conselhos gestores. E parou por ai devido à limitação de recursos. O reverso da moeda é que a medida acabou enfraquecendo ainda mais a já debilitada e ineficiente gestão dos Parques e Reservas pelo IEF, devido à carência de pessoal e a falta de recursos de custeio. Mas no IEF todos sabiam que era uma situação provisória até o INEA passar a operar, quando ai haveria mais recursos e pessoal.

A Lei do SEUC fornece definições vagas sobre a categoria e limita bastante o leque de aplicações de recursos de compensação ambiental em APAs. Acertadamente, pois elas não constituem patrimônio público. Via de regra contando com recursos escassos, os órgãos de unidades de conservação passam a focar acertadamente naquelas que são seus patrimônios, ou seja, os parques e reservas. As APAs então passam para segundo plano e, como conseqüência, administrar uma APA torna-se um castigo sem qualquer reconhecimento.

Um administrador de APA não passa por qualquer treinamento. Ao assumir, ganha um veículo, uma mesa com cadeira, um carimbo, um talonário para aplicação de multas e uma pilha de processos para analisar e despachar, nada de equipe e zero de orçamento próprio e nenhuma instrução escrita no qual o órgão define os procedimentos gerais de como ela deve ser gerenciada e qual é a infra-estrutura mínima que deve ter. Apenas ordens e direções verbais, como em uma tribo. Não satisfeito, passa a ter um conselho cobrando e tem que agüentar a pressão de prefeitos, vereadores, da comunidade e às vezes até ameaça de morte. Enfim, assume uma enorme responsabilidade sem qualquer estrutura para fazer frente. A lentidão das respostas dos processos acaba atraindo somente inimizades. Administrar uma APA nos dias atuais é como disputar uma corrida de fórmula com um fusca 66. Ou ser um prefeito sem prefeitura e sem voto.

As APAs carecem de um conjunto de normas e procedimentos operacionais mínimos que possam orientar os administradores no dia-a-dia. Uma base mínima de especificações e diretrizes sobre diversos assuntos. A própria definição legal da categoria é pobre. APA é que nem seleção brasileira. Cada um tem uma idéia diferente na cabeça de como deve ser. Cada APA criada gera uma demanda enorme de trabalho de análise e fiscalização. Para piorar, APAs tornaram-se um subterfúgio de prefeitos que não tem coragem ou verbas para criar Parques em áreas onde a sociedade clama que sejam protegidas. Cria-se APA como resposta, pois ela não atrai inimigos, já que jamais é regulamentada e implantada. Um fato é claro: o zoneamento e as regras que vem junto com ele formam a espinha dorsal de uma APA e constituem um poderoso instrumento de gestão territorial. Mas isso quando acompanhado de condições operacionais minimas para negociar e impor o zoneamento.

Como fazer com que o território de uma APA respeite o zoneamento e avance na recuperação ambiental sem o apoio das Prefeituras e dos órgãos de extensão rural e de fomento da atividade mineral? Simplesmente impossível. Uma política defensiva apoiada na fiscalização e na parceria com o Batalhão Florestal, embora necessária, jamais fará as APAs cumprirem seus papéis.

Paulo Bidegain

O Desafio das APAs do Estado do Rio de Janeiro II – Caminhos para o Futuro

APAs necessitam de definições e procedimentos gerenciais mais claros sobre para que servem, como devem ser planejadas, implantadas e operadas, qual é a infra-estrutura mínima (sede, veículos, equipamentos), que deve contar e como deve ser o plano de manejo. Um painel de especialistas poderia ajudar o CONEMA e o INEA na tarefa. Sem isso é perpetuar o fracasso.

APAs são categorias com grande potencial para gestão de territórios rurais e para grandes ecossistemas aquáticos, marinhos e lagunares. Mas não servem para territórios urbanos, pois criam uma demanda de processos impossível de ser atendida pelo INEA. No máximo, podem abarcar faixas costeiras de cidades.

É fundamental separar dois ou três técnicos concursados do INEA e investir pesado na capacitação. Por eles para viajar pelo Brasil e outros países para obter material, interagir com técnicos e conhecer experiências in-loco e assim superar as atuais deficiências e fazer com que as APAs de fato funcionem. Não sei onde as APAs funcionam bem no Brasil. Mas certamente há. Vale a pena visitar e conhecer como funcionam os Parques Naturais, que na verdade são APAs, na França (Parc Naturel Regional) Alemanha (Naturparks) e Itália (“Parco Naturale”). Sempre se aprende algo.

Sem entrar em maiores detalhes de como avançar, guardo as propostas gerais para outro artigo. Focando naquilo que é obvio e essencial, seguem as sugestões:

1) No INEA, retirar as APAs da Diretoria de Biodiversidade e Áreas Protegidas e posicioná-las nas Superintendências Regionais (Vice–Presidência).

Os Administradores das APAs passam a ser subordinados aos Superintendentes Regionais do INEA, colaborando efetivamente com a gestão de áreas especiais dentro de cada Região Hidrográfica. Isto permite a APA contar com apoio de recursos humanos, equipamentos e materiais para prestar seus serviços. Passa a ser valorizada. Afinal, o que diferencia um Superintendente Regional de um Administrador de APA é o tamanho do território, sempre menor no segundo e a diferença brutal de meios para executar a missão.As funções são 80% as mesmas. Se a APA é uma boa ferramenta de gestão de território, ela deve estar obviamente sob a supervisão do Superintendente. Esta medida racionaliza a gestão.

Orçamentos da APA passam a fazer parte do orçamento das Superintendências, assim como os recursos humanos. Não faz sentido dotar cada APA com equipe completa, veículos, equipamentos, sede e tudo mais tendo o INEA adotado o modelo de gestão de território através das Superintendências e Regiões Hidrográficas. Seria um desperdício de dinheiro e uma perda de carga e eficiência. Sede de APA somente onde for indispensável, atuando também como um escritório local da Superintendência Regional. Vejo isso como uma medida óbvia para valorizar e dar sentido as APAs, fortalecer a autoridade do Superintendente e dar dignidade e meios ao Administrador.

De parte da DIBAP, Parques e Apas no mesmo teto acabam dificultando a gestão. Todos se nivelam. As categorias que constituem patrimônio público e as que não são. A DIBAP mal consegue administrar os Parques que tem e os que estão para vir, todos sedentos de recursos humanos e financeiros.

Apas e Parques são importantes, mas são diferentes e assim devem ser tratados. O fato de estarem sob o mesmo teto (DIBAP) não assegura qualquer eficiência. Pelo contrário. Elas devem permanecer no mesmo teto (INEA), mas serem alocadas onde melhor possam funcionar. Com a medida, todas as Diretorias passam a colaborar melhor no fortalecimento das APAs, sob a liderança dos Superintendentes e dos Administradores.

Há outras vantagens. A gratificação para chefia de APA passa a ser um estímulo a mais para os profissionais que trabalham nas pontas; os processos são resolvidos na própria Superintendência, sem necessidade de virem até a sede e os Planos de Manejo são harmonizados aos Planos de Bacia. Os Parques Fluviais também deve ser repassados as Superintendências, para que possam ser abraçados pelos Comitês de Bacia e Prefeituras.

2) Projeto de Fortalecimento das APAs ao FECAM

Dado que a Lei do SNUC não permite aplicação de recursos ambientais de compensação ambiental para infra-estrutura e compra de equipamentos, é necessário fazer o projeto em tela e destinar os recursos para compra de equipamentos e outras demandas, ou mesmo construção de sede onsde for necessário, assim como a elaboração/ atualização dos Planos de Manejo.

3) Formalizar parcerias

É fundamental que cada APA seja administrada a partir de Termos de Cooperação com a(s) Prefeitura(s), por mais duro e penoso que o processo possa aparentemente ser, para harmonizar procedimentos e condutas. O Conselho da APA é o fórum privilegiado para expor e discutir os conflitos e os termos de parceria. Parcerias com a EMATER são também fundamentais. Sugere-se que seja estimulada a criação de OSCIPS tipo “Amigo da APA” para captar recursos e contribuir na gestão e nos investimentos, para que as pessoas possam ter uma papel mais ativo.

4) Reordenar o conjunto de APAs

O INEA administra hoje um total de 13 APAs: Rio Macacu (82.436 ha), Guandu (74.000 ha), Macaé de Cima (35.037 ha), Tamoios (26.200 ha), Mangaratiba (22.936 ha), Massambaba (11.110 ha), Gericinó-Mendanha (10.500 ha), Pau Brasil (9.940 ha), Frades (7.500 ha), Serra da Sapiatiba (6.000 ha), Jacarandá (2.700 ha), Maricá (466 ha) e Nova Sepetiba II (193 ha).

É preciso fazer um Plano Geral para as APAs e traçar um cenário futuro para dar rumo a gestão. Por exemplo, o cenário pode conter 12 APAs, a saber: Rio Guandu, Macacú, Macaé de Cima, Região dos Lagos (fusão de Tamoios, Pau-Brasil, Sapiatiba e Massambaba), Promontório de Itapebussus, Lagoa de Maricá, Lagoa de Saquarema, Lagoa de Araruama, Lagoa Feia, Baia de Sepetiba, Baia de Guanabara e Sertão das Cacimbas. O custo básico operacional estimado (sem contar pessoal), situa-se entre 120 a 200 mil/mês para todo o conjunto. Cada APA deve ter um orçamento individual, tarefa gerencial tão primária que não excederei comentário sobre o assunto. Afinal como planejar sem saber quanto custa?

Estas são algumas ações sugeridas para atingir-se o cenário mencionado acima.

· Manutenção das APAs do Rio Guandu, Rio Macacú e Macaé de Cima;
· Municipalização da APA Nova Sepetiba II, cuja importância é nitidamente local, para a Prefeitura do Rio de Janeiro, bastanto uma lei estadual autorizativa;
· Extinção das APAs da Bacia do Rio dos Frades e da Floresta do Jacarandá cujas melhores áreas foram absorvidas na ampliação do Parque Estadual dos Três Picos ou estão na Zona de Amortecimento do Parque;
· Criação da APA da Região dos Lagos, formada pelos territórios das APAs de Sapiatiba, Pau-Brasil e Massambaba, que seriam extintas, posto que o Parque Estadual da Costa do Sol absorveu as melhores áreas. Como não há alterações de limites apenas de nome, pode ser feito por Decreto;
· Criação da APA do Promontório de Itapebussus, para proteger e ordenar o uso de uma área desabitada entre a BR 101 e o litoral, a meio caminho entre Rio das Ostras e Macaé, na costa da bacia de Campos, a mais rica do Brasil, onde a riqueza do petróleo ajuda pouco na proteção dos ecossistemas. Em apenas 10 km de litoral, na Ponta de Itapebussus encontra-se diversos tipos de vegetação de restinga, duas lagunas (Salgada e Itapebussus), 21 praias desertas, limpas e perfeitas para o turismo, 12 ilhas sem qualquer ocupação e costões rochosos íntegros. Aplicar neste caso o instrumento previsto no art. 22-A da Lei no 9.985/00, incluido pela Lei nº 11.132/05) (ver proposta em http://docs.thinkfree.com/docs/view.php?dsn=874606&mode=docs)
· Criação da APA da Baia de Sepetiba, cobrindo integralmente as praias, os mangues, costões rochosos e a baia propriamente dita, a exceção da área coberta, extinguindo-se a APA de Mangaratiba. A sede da APA seria em Itacurussá. A proposta desta APA data de 1998.
· Criação da APA da Baia de Guanabara, cobrindo integralmente as praias, os mangues, costões rochosos e a baia propriamente dita, a exceção da área correspondente a APA de Guapimirim, que poderia ser absorvida no futuro;
· Criação da APA da Baia de Ilha Grande, cobrindo integralmente as praias, os mangues, costões rochosos e a baia propriamente dita, a exceção da área correspondente a APA do Cairuçu, cuja superficie maritima pode ser incorporada no futuro desde que o ICMBio abra mão. A APA Tamoios seria extinta;
· Criação das APAs individuais das lagoas de Maricá, Saquarema-Jaconé, Araruama e Feia, cobrindo a superficie das lagoas, margens e brejos periféricos e, quando necessário, a restinga que a separa do mar adjacente ou apenas o lido (área de conexão periódica com o mar);
· Criação da APA Sertão das Cacimbas, conforme proposta do Centro Norte Fluminense, para proteção de diversas lagoas entre o rio Paraiba do Sul e Itabapoana, incluindo o grande pantanal do Itabapoana e as falésias;

Sem dúvida é algo deveras trabalhoso traçar um cenário, negociar com o CONEMA a aprovação do mesmo, concluir os estudos, realizar as audiências públicas, preparar projetos-de-leis e decretos, convencer a Casa Civil e a ALERJ, até que os atos legais sejam publicados. Todavia, o pior dos mundos é náo saber para onde ir.

Tudo pode ser facilitado se o estudo for conduzido em bloco, gerando por exemplo apenas uma lei extinguindo as APAs de Rio dos Frades, Floresta do Jacarandá, Tamoios e Mangaratiba e autorizando a municipalização da APA Nova Sepetiba II, além de estudos e decretos separados para criação das novas APAs. Basta apenas uma contratação.

Paulo Bidegain