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27 de fevereiro de 2012

O Desafio das APAs no Estado do Rio de Janeiro: III – Importância das APAs Marinhas e Lagunares


Este artigo é o terceiro de uma sequência planejada de seis, que tratam do desafio das APAs no Estado do Rio de Janeiro (ver artigos “O Desafio das APAs no Estado do Rio de Janeiro, I -  Antecedentes e Situação Atual e II – Caminhos para o Futuro).

A série retoma com o este artigo sobre a importância das APAs Marinhas e prossegue com a proposta de uma APA para a da Baia de Sepetiba, formulada pela primeira vez em 1998. Os artigos seguintes tratam da APA da Baia de Ilha Grande e de APAs para proteção da Baia de Guanabara e das grandes lagoas. Desde 1998 tenho defendido as vantagens de converster nossas baias em APAs. Reforcei o ponto de vista em artigo recente aqui no Blog e antes em outro documento sobre uma proposta de composição futura do sistema estadual de unidades de conservação. Das três APAs marinhas, a mais trabalhosa e desafiante para se criar é a da Baia de Ilha Grande, assunto do próximo artigo. A mais urgente no momento é a APA da Baia de Sepetiba.

Experiência Internacional e Nacional

O declínio dos habitats marinhos e dos estoques pesqueiros nas últimas décadas despertaram a atenção da IUCN e da ONU, que tem direcionando esforços para proteção dos oceanos. Juntas, estas entidades agem para implantar um sistema global de áreas protegidas marinhas, conhecidas mundialmente como MPA (“Marine Protected Areas”). O Congresso Mundial de Parques sugeriu que entre 20 a 30% dos oceanos fossem protegidos. Em fevereiro de 2004, 188 países, entre eles o Brasil, se comprometeram a executar o Programa de Trabalho de Áreas Protegidas estabelecido no âmbito da Convenção da Biodiversidade, compreendendo cerca de 92 atividades, cuja meta é estabelecer sistemas nacionais e regionais de áreas protegidas terrestres até 2010 e marinhas até 2012.      

Em 2010, os países-membros da Convenção da Diversidade Biológica reprogramaram as metas traçadas em 2004, concordando que até 2020, ao menos 10% das áreas costeiras e marinhas, sobretudo as áreas de importância específica para a biodiversidade e serviços ligados aos ecossistemas, deveriam ser conservadas por meio de sistemas de áreas protegidas bem conectadas, ecológicamente representativos e gerenciadas equitativamente.

Sendo o Brasil signatário da referida convenção, o compromisso deverá ser cumprido. Ao que consta, não há um plano ou estrátégia nacional atualizada para atingir este objetivo. E tampouco existe uma a nível estadual. O fato é que o conjunto de unidades de conservação no Estado do Rio de Janeiro preserva ainda uma parcela ainda pequena de ecossistemas marinhos, mas a proteção de terras costeiras tem aumentado. 

Desde o início da década de 2000, vários países tem acelerado de forma notável a criação de áreas marinhas protegidas. A França chegou a criar um órgão especifico, a “Agence des aires marines protégées. Este blog fornece na coluna da direita uma lista de links das instituições e iniciativas importantes em MPAs.

Provas científicas concretas sobre a eficária das MPAs vem se acumulando nos últimos anos. Uma pesquisa recente na Austrália mostrou que na Grande Barreira de Coral, a criação de um grupo de áreas marinhas protegendo 32 % da região fez com que a biomassa de peixes dobrasse. No Golfo do México, a quantidade de peixes quintuplicou em uma área protegida e em seu entorno, conforme pesquisa de 2011.  

O território nacional marinho corresponde a pouco mais da metade do território terrestre e, somada à zona costeira, é chamada de Amazônia Azul. São 8.500 km de costa e 4,5 milhões de km2 quando contabilizada a plataforma continental. Contudo, apenas 1,5% dessa área está protegida por unidades de conservação. Muito pouco se considerada a meta de 10% de conservação definida pela Convenção sobre Diversidade Biológica até 2010. Para modificar este cenário, o Ministério do Meio Ambiente acredita ser necessário valorizar e implementar as unidades de conservação existentes, criar novas, monitorar os ecossistemas frágeis, incentivar e apoiar a geração do conhecimento acerca da biodiversidade marinha. Hoje são 102 unidades de conservação (UCs) marinhas no Brasil.

Releva mencionar que em 1989, a EPA criou um programa para guiar a conservação e a restauração de 28 estuários de significância nacional. Ressente-se de programas federais brasileiros nesta direção, que poderiam ser estabelecidos pelo SECIRM.

Vantagens

O Estado do Rio de Janeiro tem importantes ecossistemas aquáticos cuja gestão tem sido historicamente marcada pela acefalia. Examinando os casos das baias em tela, é facil constatar a presença de diversas instituições, sem que nenhuma lidere. Uma olha para os portos, outra cuida da pesca, outra da segurança naval, outras zelam pela fauna e flora e outra monitora. Mas nenhuma olha o ecossistema como um todo.

Diz o ditado popular que “cachorro que tem dois donos morre de fome”. Assim tem sido a gestão de nossas baias há várias décadas: acéfala de liderança institucional, pulverizada e altamente ineficiente. Afinal, qual é a autoridade pública que manda no ecossistema da baía de Sepetiba por exemplo?

Nínguem saberá responder esta pergunta, pois depende do componente ambiental. Mal comparando, a baia não tem um médico de familia, mas é atendida por vários que jamais conversam. Um é responsável pelo coração, outro pelo figado e assim por diante. Como resultado, a saúde ambiental das baías vai de mal a pior.  

A categoria APA é excepcional para ecossistemas aquáticos com usos múltiplos e, naqueles continentais, complementa os instrumentos de gestão de recursos hídricos legalmente estabelecidos que, sozinhos, não conseguem equacionar situações complexas.

A conversão de ecossistemas estratégicos como as Baias de Sepetiba, Guanabara e Ilha Grande e das Lagoas de Araruama, Saquarema, Feia, Maricá e outras em APAs traz inúmeras vantagens. Vejamos algumas. A primeira é que cada ecossistema ganha um Gerente (ou Administrador), funcionando como braço direito do Superintendente Regional. Um profissional que exerce a liderança na difícil tarefa de gestão. Em outra palavras, o INEA assume de fato a liderança no processo, marcando o fim da acefalia. Se é impossivel gerenciar um simples edifício sem síndico, como fazer em uma situação muitíssima mais complicada que é uma baia ou grande laguna?       

A segunda vantagem é a melhoria da governança, dada pelo Conselho Gestor, que abre espaço para participação da sociedade e usuários no processo de tomada de decisão. A terceira vantagem é a possibilidade de estabelecer de forma negociada, um ordenamento aos usos múltiplos através de zoneamento e outros instrumentos complementares. A quarta é a oportunidade de dotar o ecossistema de um plano diretor (plano de manejo), com projetos e programas de monitoramento, recuperação, patrulhamento e educação.      

Cabe ressaltar ainda que graças ao ICMS Ecológico, a APA promove o aumento da transferência de recursos financeiros para os municípios. Acordo do INEA com os municípios pode destinar parte desde recursos para uma conta especial que financie a operação da APA (custeio), através da contratação de OSCIP por meio de edital.  

A liberdade de navegação e o acesso aos portos não são afetados pela criação de APAs nas baías, nem o domínio das ilhas, que são bens da União. A lógica é assegurar o uso múltiplo, impedindo o dominio do setor naval as custas da degradaçao ambiental e do desemprego em outros setores tais como a pesca e o turismo. É preciso um equilibrio. A existência de Conselhos de Apas cria oportunidades para discussões, equacionamento de conflitos e estabelecimento de diversas parcerias.  

Uma APA Marinha é uma área gerenciada para assegurar o uso sustentável, contendo áreas menores destinadas a alta proteção. Este foco implica em uma gestão que envolva todos aqueles que usam as terras costeiras e da própria baia, buscando alcançar metas comuns, sendo a principal ter um ecossistema saudável e produtivo.

O Desafio das APAs no Estado do Rio de Janeiro: IV – APA do Ecossistema Marinho da Baia de Sepetiba

A baia de Sepetiba

A baía de Sepetiba é um ecossistema marinho e estuarino com cerca de 520 km² de superfície e perímetro de 170,5 km, em cujo litoral encontram-se os municípios de Mangaratiba, Itaguaí e Rio de Janeiro. Tem cerca de 95 praias continentais e insulares, manguezais, costões rochosos, 49 ilhas e ilhotas, lajes e uma rica biodiversidade, além de beleza naturais, profundidades e condições oceanográficas abrigadas ideais para diversos usos econômicos.   

A baía pode ser considerada como um ecossistema de uso múltiplo. Seus processos ecológicos, recursos naturais e belíssimas paisagens beneficiam milhões de pessoas, em especial seus usuários diretos e indiretos. Dentre os usos da Baía se destacam a recreação e lazer, a pesca profissional e artesanal, a catação de mexilhões, mariscos e caranguejos; a aqüicultura; a navegação e a infra-estrutura portuária, além de ser um espaço de treinamento militar.

Adicionalmente, é um habitat importantíssimo de milhares de espécies de animais e plantas marinhas e um criadouro de peixes e camarões. A Baía ainda trata gratuitamente toneladas de esgoto domésticos e despejos industriais que lhe chegam através dos canais São Francisco e Guandu e diversos outros canais.  

Os principais usuários da Baía de Sepetiba são:

·         Moradores e veranistas freqüentadores das praias, enseadas e ilhas;
·         Turistas;
·         Terminais Portuários da TK CSA e da Ilha Guaíba, e o Porto de Itaguaí;
·         Hotéis e pousadas localizados na orla continental e nas ilhas, com destaque para o Hotel Méditerraneé Rio das Pedras, Portobello, Pierre e Condomínio Porto Real;
·         Pescadores artesanais e coletores de caranguejos e mariscos;
·         Pescadores amadores;
·         Setor de pesca industrial;
·         Marinas e Clubes Náuticos e proprietários de barcos de lazer;  
·         Setor de estaleiros e indústria naval;
·         Empresa de turismo que operam passeios de saveiro;

Releva destacar que a Baía de Sepetiba é um dos maiores destinos de recreação de uma imensa população da Região Metropolitana, em especial dos segmentos C e D da sociedade.  

Devido principalmente a gestão acéfala, a baia de Sepetiba apresenta diversos conflitos e problemas ambientais, que se agravaram pela inação.

O cenário tendencial da Baía de Sepetiba pode ser assim sumarizado:

·       Degradação progressiva da Baía devido à ocupação excessiva dos costões rochosos por concentrações urbanas, portos, marinas, excesso de barcos, recepção de cargas elevadas de óleo, esgoto e lixo, pela pesca de arrasto e pelo aumento de espécies invasoras vindas nas águas de lastro;
·         Redução de manguezais;
·         Progressiva degradação ambiental das ilhas;
·         Assoreamento excessivo por partículas sólidas carreadas pelos rios e canais que desembocam na Baía de Sepetiba;
·        Desemprego progressivo na indústria turística devido à perda de atratividade dos ambientes naturais causada pela degradação ambiental, pela especulação imobiliária do litoral e pela deteriorização da paisagem causada pelo excesso de empreendimentos portuários; 
·        Esgotamento dos estoques pesqueiros devido a sobrepesca, pesca criminosa, poluição por óleo e a perda de manguezais; 
·         Acirramento de conflitos entre usuários de recursos naturais da Baía; 

Nos últimos trinta anos, algumas iniciativas foram tomadas para reverter a degradação da Baía, como a criação da APA de Mangaratiba e da Reserva Biológica de Guaratiba, o Macroplano de Gerenciamento e Saneamento Ambiental da Bacia da Baía de Sepetiba, o Plano da Bacia Hidrográfica do rio Guandu e o Parque Fluvial do Rio Guandu. A Reserva Biológica de Guaratiba tem cumprido em parte seu papel graças ao apoio do Exército. Os resutados da APA de Mangaratiba são baixos. Jamais teve chefe nomeado e plano de manejo. Desde 2007 mais de 80% da APA foi incorporado ao Parque Estadual Cunhambebe. O Macroplano de Gerenciamento e Saneamento Ambiental da Baía de Sepetiba e o Plano da Bacia Hidrográfica do rio Guandu jamais sairam do papel. O projeto do Parque Fluvial do Rio Guandu fracassou em sua primeira estapa devido a perda dos reflorestamentos. Houve mudança de rumo.    

A solução para o passivo ambiental decorrente do fechamento da Cia. Mergantil Ingá é a ação mais relevante dos últimos anos e a única de sucesso no litoral, engedrada pela SEA e pela extinta FEEMA.      

Proposta da APA do Ecossistema Marinho da Baia de Sepetiba

Em 1998, trabalhando na elaboração do Macroplano de Gestão e Saneamento da Baia de Sepetiba, conheci a baia de Sepetiba em detalhes  a partir de trabalho de campo, onde foi utilizado inclusive sobrevôo de helicóptero, leitura de publicações e inúmeras conversas com atores locais. Naquela época detectamos que APA era uma ferramenta excelente para promover o gerenciamento da baia. Um relatório detalhado foi feito com recomendações para gestão dos usos múltiplos da baia, inclusive com diretrizes para criação da APA, zoneamento e programas para o Plano de Manejo (para acessar o relatório clique aqui).  Infelizmente, o Governo do Estado não viabilizou a iniciativa, de modo que perdemos o protagonismo. O Estado de São Paulo, dez anos depois, dividiu sua zona costeira em três partes e em cada uma criou uma APA.

No inicio de 2009, trabalhando no Governo do Estado, por solicitação superior revi integralmente a idéia de 1998 e voltei a recomendar a proposta da APA da Baia de Sepetiba a partir da extinção da APA de Mangaratiba.  A Secretaria de Desenvolvimento Econômico abraçou a idéia e se comprometeu a buscar apoio financeiro das empresas lá instaladas para a operação. Seria a primeira APA do Estado que nasceria estruturada com sede e equipamentos para funcionar. A iniciativa não foi a frente.    

Se a a conversão da Baía de Sepetiba em uma APA era urgente em 1998, hoje ela é crucial para o futuro da baía. No mundo, uma parte significatuva das áreas costeiras intensamente utilizadas tem um tipo de autoridade ambiental para impor a lei, resolver conflitos, assegurar os usos múltiplos e executar projetos de recuperação. A APA preenche perfeitamente este vácuo, desde que seja estruturada e funcione diretamente vinculada a Superintendência local do INEA.

O modelo tradicional de gestão da Baia de Sepetiba, acéfalo e fragmentado certamente não reverterá as tendências de degradação. E permanecer vinculada à sede do INEA e longe dos acontecimentos é receita do fracasso. A baia precisa ordenar seus usos múltiplos para evitar o acirramento de conflitos e a degradação ambiental e reverter a ocupação caótica do litoral e das ilhas. A ocupação da Ilha de Itacurussá, ditada pelo mercado imobiliário, é um exemplo do que acontece quando o Estado se ausenta. Jaguanum caminha para o mesmo futuro. E ambas encontram-se dentro da APA de Mangaratiba!

A APA do Ecossistema Marinho da Baia de Sepetiba seria formada pelas terras submersas (sedimentos do fundo) e a massa d’água acima destas e pelo litoral, praias e todos as ilhas, praias, manguezais e trechos de costões rochosos, sendo limitada a oeste pelo canal balizado de navegação, que corre de norte para sul, separando-a a APA da Baia de Ilha Grande.          

Para finalizar, eis como vejo a APA da Baia de Sepetiba no longo prazo:

·       Como APA, a baía adquire “status” legal diferenciado, facilitando a condução, pelo Estado, do processo de gestão ambiental, uma vez que APA dispõe de uma base legal definida;
·       Com a criação da APA da Baia de Sepetiba, fica extinta a APA de Mangaratiba;
·       Chefe da APA sendo um servidor concursado do INEA, selecionado e treinado para a função, subordinado diretamente ao Superintendente Regional, provendo liderança e capacidade de articulação;    
·        Conselho Gestor da APA com a presença de representantes do INEA, DRM, FIPERJ, UERJ e outras órgãos do estado (desenvolvimento econômico, transporte, pesca, defesa civil), de órgãos federais (IBAMA, Capitania dos Portos, CDRJ, ANTAQ, etc), das prefeituras de Mangaratiba, Itaguaí e do Rio de Janeiro, sociedade civil e usuários (portos, marinas, pesca, turismo, etc);  
·         Centro de Gerenciamento Ambiental da Baia de Sepetiba (CGABS)  instalado na Vila de Itacurussá, funcionando como sede da APA, com salas do chefe da APA, de técnicos do INEA, FIPERJ, Batalhão Florestal (posto), atendimento ao público, além de cais com embarcação;
·       Sistema geográfico de informações da baia e modelo matemático de circulação operados pelo CGABS;  
·       Zoneamento Ambiental dos Usos Múltiplos construído coletivamente no âmbito do Conselho, apoiado na legislação, de modo a conciliar as diversas atividades e indicar as áreas onde a proteção será mais intensa (mangues, áreas rasas, etc) e aquelas que precisam de recuperação (manguezais, ilhas e costões rochosos degradados, sedimentos contaminados, praias erodidas, etc)  
·       Regulamentos específicos para lazer náutico, pesca, coleta de invertebrados, navegação, água de lastro e outras atividades, emanados pelo INEA, IBAMA e outros instituições.    
·        Câmaras instaladas em pontos estratégicos, com amplas vistas das diversas enseadas, para auxiliar a fiscalização;
·       Estado Ambiental da baia (hidrodinâmica, qualidade das águas e sedimentos, comunidades biológicas do plâncton e bentos, peixes, tartarugas marinhas, cetáceos, praias e manguzais, usos humanos) melhor conhecido graças a pesquisa de um pool de universidades, com financiamento da FAPERJ e dos dados gerados pelos serviços de monitoramento;
·       Situação patrimonial, ambiental e de ocupação de todas as ilhas conhecida;
·       Concentrações de metais pesados no sedimento, biota e seres humanos melhor conhecido;
·       Volume de lixo recebido pelos rios retido em ecobarreiras administradas pelos municípios;  
·        Costões rochosos, praias e manguezais livres de ocupações irregulares;   
·       Lancha do INEA patrulhando diuturnamente a baía, contando com efetivos embarcados do Batalhão Florestal, IBAMA e Polícia Federal; 
·       Pesca artesanal e aquicultura de espécies nativas fortalecidas e pesca de arrasto banida da baia;
·       Todos portos, estaleiros e marinas com Certificados ISO 14.000 e licença ambiental, inspecionados semestralmente pelo INEA;
·         Volume de esgotos reduzido; 
·       Todos os manguezais com limites definidos (poligonal descrita), terras averbadas em cartórios em nome da União e cedidas ao Estado, convertidos em refúgios da vida selvagem ou reserva extrativistas, gerenciadas pela Administração da APA;  
·       Parque Estadual da Baia de Sepetiba criado a partir da recategorização da Reserva Biológica de Guaratiba, ampliado para incorporar trechos de costão rochoso, praias, ilhas desabitadas (há várias), manguezais e parte de algumas enseadas que tenham papel estratégico como refugio e alimentação de filhotes; 
·       Plano de Manejo com projetos de comunicação-educação ambiental, monitoramento, recuperação ambiental, estimulo ao uso múltiplo sustentado e fiscalização;
·       Centro de Visitantes da Baia de Sepetiba, instalado em Itaucurussá e operado pela Turisrio, recebendo milhares de estudantes, moradores e turistas em busca de informações sobre o ecossistema e sobre o que há para ver e fazer na baia e na costa, impulsionando o turismo e a geração de empregos;   

Com a APA, será possivel ao INEA ratear custos de gestão com as Prefeitura e os principais usuários, unificando por exemplo os diversos programas de monitoramento em execução, por serem requisitos de licenças, em um só para toda a Baia.     
  
Por fim, cabe assinalar que a criação da APA regulamenta o artigo 269, VI da Constituição Estadual, que determina claramente a necessidade de um tipo especial de proteção para a Baía de Sepetiba. 

Paulo Bidegain

O Desafio das APAs no Estado do Rio de Janeiro: V - A APA Marinha da Baia de Ilha Grande

A criação da APA da Baia de Ilha Grande é um desafio mais trabalhoso que a da APA da Baia de Sepetiba. Para dar certo, depende de um acordo reunindo principalmente o INEA, ICMBio, IBAMA, Prefeituras de Angra dos Reis e Paraty, sociedade e usuários econômicos (ong’s ambientalistas, pescadores, catadores, marinas, estaleiros, portos, usina nuclear, empresas de navegação, empresas de passeios de escuna e outros).

Instituir a APA sem planejamento de longo prazo irá piorar o quadro confuso de diversas unidades de conservação com zoneamento superpostos, que foram criadas isoladamente ao longo dos anos, sem olhar para a baía como um todo. Será adicionar mais sal em um prato já salgado, matando a iniciativa, sem duvida estratégica para o futuro da baia. A APA da Baia de Ilha Grande só é viavel no futuro a partir de um rearranjo das unidades de conservação federais, estaduais e municipais, de tal sorte que a baia inteira seja uma única APA com um único zoneamento ecológico-econômico que defina oficialmente o uso futuro de cada espaço marinho tridimensional, ilha, praia e de trechos do litoral mais próximo.

Desde 2009 tenho defendido este ponto de vista, tendo abordado o assunto novamente em abril de 2010, em artigo neste blog.     

O Ecossistema Marinho da Baia de Ilha Grande

A baia de Ilha Grande é um ecossistema marinho que apresenta as seguintes características:

·         Superfície total de 1.728 km², sendo 203 km² correpondendo as ilhas;  

·         Litoral continental e insular com 757 km;

·         187 ilhas, ilhotes, lajes e parcéis. As maiores ilhas são Grande, Jipóia, Algodão, Araújo e Sandri, seguidas de Cunhambembe, Araraquara, Cedro, Meros, Jorge Grego, Paquetá, dos Porcos Grandes, Cedro, Mantimento, Cairucú, das Pedras e Macacos.  A propalada existência de 365 ilhas é um engodo;

·         Principais Cidades e Vilas Litorâneas: Angra dos Reis, Monsuaba, Jacuacanga, Frade (Cunhambebe), Mambucaba, Vila do Abraão e Provetá (Município de Angra dos Reis); Paraty, Tarituba, Taquari, São Roque, Barra Grande, Corumbê e Paraty Mirim (Município de Paraty)

·         Principais tipos de usos: Habitat de milhares de espécies nativas, banho, recreação e natação nas praias; surf, iatismo e lazer náutico, passeio de escunas, mergulhos contemplativos, pesca artesanal de linha e rede, pesca industrial (arrasto, cerco e espinhel), amadora (embarcada ou na praia) e submarina, coleta de invertebrados em manguezais e costões rochosos (mexilhões, ostras), maricultura (produção de mexilhão Perna perna e vieira Nodipecten nodosus), transporte interno de passageiros, infra-Estrutura Portuária para Navegação Oceânica e suprimento de água para refrigeração industrial (Usina Nuclear);

·         Principais empreendimentos litorâneos: Porto de Angra dos Reis, Terminal da Baía de Ilha Grande – TEBIG, Central Nuclear de Angra dos Reis, Estaleiro Brasfel, Marinas, Condomínios e Complexos Hoteleiros, Colégio Naval, Atracadouros da Barcas SA, Parque Estadual da Ilha Grande, Reserva Biológica da Praia do Sul, Parque Nacional da Bocaina e Estação Ecologica de Tamoios;   

·         Impactos principais: Eutrofização, poluição por óleo, redução do espelho de água, alteração hidrodinâmica e de movimentação de sedimentos, assoreamento, redução de biodiversidade marinha, redução dos estoques de peixes e camarões, perda de oportunidades de geração de empregos e renda;

Gestão Tradicional  

A gestão tradicional da baia de Ilha Grande sofre da mesma sindrome da baia de Sepetiba, sendo pulverizada, incompleta e ineficiente devido a falta de uma instituição que lidere o processo. É impossivel e inútil gerenciar a pesca em um ecossistema, isolada dos demais usos.

Merece destacar dois desafios a serem superados: o excesso de zoneamento e de colegiados. Quanto ao primeiro, visando proteger os ecossistemas da região da baia de Ilha Grande, aqui entendido como o ecossistema marinho da baia e sua bacia hidrográfica, os Governos Federais e Estaduais criaram diversas unidades de conservação a partir de 1971, todas de forma isolada e sem visão de planejamento regional.  

Infelizmente, quase todas permanecem em estágio rudimentar de implantação. O  mais avançado aparentemente é o Parque Estadual da Ilha Grande, graças aos salto que deu entre 2007-2009, embora tenha sofrido um processo lento de estagnação pouco depois. O Parque Nacional da Serra da Bocaina (1971) inaugurou a série, e fazia parte de um pacote que envolvia os empreendimentos da BR-101 e a Usina Nuclear. Os dois últimos saíram do papel e foram implantados. A Usina Nuclear esta sem sua terceira unidade. O Parque, quarenta e um anos depois, permanece no papel.

Em sequência vieram o Parque Estadual da Ilha Grande (1971), a Reserva Biológica da Praia do Sul (1981), a APA Cairuçu (1983), a APA Tamoios (1986), a Estação Ecológica de Tamoios (1990), a Reserva Ecológica Estadual da Juatinga (1991) e o Parque Estadual Cunhambebe (2007).

Com o tempo, cada UC teve estabelecido seu plano de manejo, zoneamento interno e as zonas de amortecimento sem olhar para o lado, causando superposição. Fora isso, adiciona-se os zoneamentos dos planos diretores dos municípios de Angra dos Reis e Paraty. O resultado final é literalmente uma “zona”.

As superposições tornam dificil a aplicação da lei, deixando tonto aqueles servidores que trabalham na ponta. Na baia de Ilha Grande, um muitos locais há sobreposição que chega a ser tripla ou quádrupla. A Ilha Grande somente tem quatro zoneamentos: o da APA Tamoios, a da zona de amortecimento do PEIG, o da zona de amortecimento da Estação Ecológica de Tamoios e o do Plano Diretor de Angra dos Reis.

Com respeito ao excesso de Colegiados, cabe destacar a presença dos seguintes: Comitê da Bacia, Comitê do Mosaico Bocaina, Conselho Consultivo do Parque Estadual da Ilha Grande/Reserva Biológica da Praia do Sul, Conselho Consultivo do Parque Estadual Cunhambebe, Conselho Consultivo do Reserva Ecológica Estadual da Juatinga, Conselho Consultivo do Parque Nacional da Serra da Bocaina, Conselho Consultivo da Estação Ecologica de Tamoios, Conselho da APA do Cairuçu, Conselho da APA Tamoios, Conselho Municipal de Meio Ambiente de Angra dos Reis e o Conselho Municipal de Meio Ambiente de Paraty.  

São onze colegiados na mesma região! Conhecendo o nível de participação de nossa sociedade, não é dificil estimar que a mesma pessoa está participando de vários e que este arranjo institucional irá colapsar no futuro.

Rearranjo futuro das UCs, requisito fundamental

Para o sucesso e eficária da APA uma medida futura é crucial. Trata-se do entendimento entre a SEA e o MMA, instâncias que efetivamente tomam decisões políticas, de que o melhor para o ecossistema marinho da baía de Ilha Grande é que ele inteiro se torne uma APA, e que ambos discutirão amplamente o assunto, envolvendo as partes interessadas locais.

O processo de discussão deve propor um novo cenário na APA, estabelecendo os arranjos nas unidades de conservação que serão necessárias.   

O novo cenário pode ser o seguinte:

·         APA da Baía de Ilha Grande cobrindo o litoral continental em faixa de largura variável cobrindo todos os manguezais, praias e costões rochosos até determinada altura, o espaço marinho tridimencional (leito e coluna d’água) e todas as ilhas, sendo delimitado à leste pela canal de navegação balizado, separando-a da APA da Baia de Sepetiba;         

·         APA Tamoios extinta; 

·         APA do Cairuçu redelimitada, transferindo as ilhas e o litoral para a Apa da Baia de Ilha Grande;

Para criação da APA, é necessário um decreto determinando que a APA Tamoios seja renomeada para APA da Baia de Ilha Grande, com novo limite. E um projeto de lei federal redelimitando a APA de Cairuçu, retirado a parte marinha e o litoral (esta APA passa a ser integralmente terrestre). Talvez, ao invés de PL, a mudança possa ser feita por Decreto Federal, já que o espaço continuará como APA.  

A segunda fase seria definir um cenário futuro mais definitivo, olhando tanto a baia quanto a Região Hidrográfica.

A alternativa podem contemplar:

·         APA Marinha da Baia de Ilha Grande, com áreas mais restritas para a pesca, como parte dos sacoc do Mamanguá, do Céu, Ribeira e outras, que funcionariam como produtores de peixes para toda a baia;      

·         APA do Cairuçu restrita a parte terrestre montanhosa;

·         Parque Nacional da Bocaina absorvendo a Estação Ecológica de Tamoios, agregando áreas marinhas altamente valiosas para visitação e proteção, reavaliando-se a viabilidade e a efetividade de manter todas as área de entorno marinho de um quilômetro;

·         Parque Estadual de Paraty estabelecido a partir da fusão do Área Estadual de Lazer de Paraty com a Reserva Ecológica da Juatinga, com mudança de limites, podendo incluir ilhas;

·         Parque Estadual da Ilha Grande ampliado, absorvendo encostas no entorno, pequenas ilhas desabitadas e alguma enseadas, conforme o Plano de Manejo;

·         Reserva Biológica da Praia do Sul implantada, contando com Plano de Manejo;

·         Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Aventureiro implantada;

·         Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) da Juatinga reunindo setores separados, com comunidades Caiçaras;

·         Parque Municipal Costeiro e Marinho de Angra dos Reis contendo ilhas e praias separadas;

·         Parque Municipal Costeiro e Marinho de Paraty contendo ilhas e praias separadas;

Uma alternativa que pode ser avaliada é a criação do Parque Nacional da Mata Atlântica do Sudeste, a partir da fusão de cinco unidades de conservação: Parque Nacional da Bocaina, Reserva Ecológica da Juatinga, Parque Estadual Cunhambebe, Estação Ecológica de Tamoios, Reserva Biológica do Tinguá e ARIE da Cicuta, com sede em Angra dos Reis e sub-sedes. Seria semelhante ao parque estadual da Serra do Mar em São Paulo, que tem 315 mil ha e é administrado por setores sob comando único. A grande vantagem é por diversos ecossistemas sob comando e política unificada, e ter apenas uma equipe, plano de manejo e orçamento, podendo ser gerenciado em parceria com os Estados de São Paulo e Rio de Janeiro.

Zoneamento, uma demanda estratégica

A APA do Ecossistema Marinho da Baia da Ilha Grande faz sentido somente se for estabelecida com base em processo construtivo reunindo os principais atores regionais como prefeituras, empresas e sociedade civil. APAs, como qualquer unidade de conservação, precisam nascer com padrinhos para que possa ser também uma instrumento de resoluçao de conflitos, ao invés de acirrá-los.   

A forma mais democrática e eficiente de viabilizar a APA da BIG é logo após criação iniciar o processo de conhecer em detalhe os usos multiplos atuais (recreação, pesca, industria naval, porto, UCs ) e as demandas dos diversos setores de usuários, e as ameaças e oportunidades, passando para discussão do zoneamento ecológico-econômico. O parceria com a FAO e o GEF é uma poderosa ferramenta para atingir este objetivo. É fundamental que a baia tenha apenas um só zoneamento, e que os municipios ajustem seus planos diretores. Pode parecer trabalhoso, mas não há outra opção. 

Atenção para as Ilhas

A gestão de muitas ilhas e a definição do uso futuro, que são bens da União, tem sido ditada pelo mercado, ao invés de fazer parte de uma politica pública. Uma minoria se beneficia do comércio de ativos públicos que movimentam milhões de reais. É preciso intervir no processo antes que a baia se torne um arquipélago de uso exclusivo de milionários. Ilhas devem ser incorporadas aos parques para que toda população tenha acesso. Outras devem ser cedidas para uso de caiçaras, como correu recentemente no Estado de São Paulo. Eles também possuem este direito. E a ocupaçao de todas elas deve ser objeto de licenciamento ambiental do INEA, já que nem o SPU nem os municípios conseguem exercer esta função  

Uma visão sobre a futura APA da BIG

Para finalizar, eis como vejo a APA no futuro:

·         Chefe da APA sendo um servidor concursado do INEA, selecionado e treinado para a função, subordinado diretamente ao Superintendente Regional, provendo liderança e capacidade de articulação;   

·         Conselho Gestor da APA com a presença de representantes do INEA, DRM, FIPERJ, UERJ e outras órgãos do estado (desenvolvimento econômico, transporte, pesca, defesa civil), de órgãos federais (IBAMA, Capitania dos Portos, CDRJ, ANTAQ, etc), das prefeituras de Angra dos Reis e Paraty, sociedade civil e usuários (portos, marinas, pesca, turismo, etc);  

·         Centro de Gerenciamento Ambiental da Baia de Ilha Grande instalado em Angra dos Reis, funcionando como sede da APA, com salas do chefe da APA, de técnicos do INEA, FIPERJ, Batalhão Florestal (posto), atendimento ao público, além de cais com embarcação;

·         Unidade descentralizada do Centro de gerenciamento implantada na Vila do Abraão (Ilha Grande);  

·        Sistema geográfico de informações da baia e modelo matemático de circulação operados pelo Centro; 

·        Zoneamento Ambiental dos Usos Múltiplos construído coletivamente no âmbito do Conselho, apoiado na legislação, de modo a conciliar as diversas atividades e indicar as áreas onde a proteção será mais intensa (mangues, áreas rasas, etc) e aquelas que precisam de recuperação (manguezais, ilhas e costões rochosos degradados, sedimentos contaminados, praias erodidas, etc)  

·        Regulamentos específicos para lazer náutico, pesca, coleta de invertebrados, navegação, água de lastro e outras atividades, emanados pelo INEA, IBAMA e outros instituições.    

·        Câmaras instaladas em pontos estratégicos, com amplas vistas das  diversas enseadas, para auxiliar a fiscalização;

·        Estado ambiental da baia (hidrodinâmica, qualidade das águas e sedimentos, comunidades biológicas do plâncton e bentos, peixes, tartarugas marinhas, cetáceos, praias e manguzais, usos humanos) melhor conhecido graças a pesquisa de um pool de universidades, com financiamento da FAPERJ, e aos dados gerados pelo projeto de monitoramento;

·         Situação patrimonial, ambiental e de ocupação de todas as ilhas conhecida;

·        Volume de lixo recebido pelos rios retido em ecobarreiras administradas pelos municípios;  

·         Costões rochosos, praias e manguezais livres de ocupações irregulares;   

·        Lancha do INEA patrulhando diuturnamente a baía, contando com efetivos embarcados do Batalhão Florestal, IBAMA e Polícia Federal; 

·        Pesca artesanal e aquicultura de espécies nativas fortalecidas e pesca de arrasto banida da baia, assim como aquicultura de espécies exóticas;

·         Todos portos, estaleiros e marinas com licença ambiental e Certificados ISO 14.000, inspecionados semestralmente pelo INEA;

·         Todas as ilhas e manhuezais inspecionados regularmente;

·         Volume de esgotos reduzido; 

·        Todos os ma*nguezais convertidos em refúgios da vida selvagem ou reserva extrativistas gerenciadas pela APA;  

·         Plano de Manejo com projetos de comunicação-educação ambiental, monitoramento, recuperação ambiental e fiscalização;

·         Custos de gestão rateados pelo INEA, Prefeituras e os principais usuários;

·         Centro de Visitantes da Baia de Ilha Grande instalado em Angra dos Reis e operado pela Turisrio, recebendo milhares de estudantes, moradores e turistas em busca de informações sobre o ecossistema e sobre o que há para ver e fazer na baia e na costa, impulsionando o turismo e a geração de empregos;

Por fim, creio que a Baía da Ilha Grande e não somente a Ilha Grande, reune todas as condições para ser um Sítio do Patrimônio Natural e Histórico da Humanidade reconhecido pela UNESCO.

Paulo Bidegain