Instituir a APA sem
planejamento de longo prazo irá piorar o quadro confuso de diversas unidades de
conservação com zoneamento superpostos, que foram criadas isoladamente ao longo
dos anos, sem olhar para a baía como um todo. Será adicionar mais
sal em um prato já salgado, matando a iniciativa, sem duvida estratégica para o
futuro da baia. A APA da Baia de Ilha Grande só é viavel no futuro a partir de
um rearranjo das unidades de conservação federais, estaduais e municipais, de
tal sorte que a baia inteira seja uma única APA com um único zoneamento
ecológico-econômico que defina oficialmente o uso futuro de cada espaço marinho
tridimensional, ilha, praia e de trechos do litoral mais próximo.
Desde 2009 tenho defendido
este ponto de vista, tendo abordado o assunto novamente em abril de 2010, em
artigo neste blog.
O Ecossistema Marinho da
Baia de Ilha Grande
A baia de Ilha Grande é um ecossistema
marinho que apresenta as seguintes características:
·
Superfície total de 1.728 km², sendo 203 km² correpondendo as ilhas;
·
Litoral continental e insular com 757 km;
·
187 ilhas, ilhotes,
lajes e parcéis. As maiores ilhas são Grande, Jipóia, Algodão, Araújo e Sandri,
seguidas de Cunhambembe, Araraquara, Cedro, Meros, Jorge Grego, Paquetá, dos
Porcos Grandes, Cedro, Mantimento, Cairucú, das Pedras e Macacos. A propalada existência de 365 ilhas é um engodo;
·
Principais Cidades e Vilas Litorâneas: Angra dos Reis, Monsuaba,
Jacuacanga, Frade (Cunhambebe), Mambucaba, Vila do Abraão e Provetá (Município
de Angra dos Reis); Paraty, Tarituba, Taquari, São Roque, Barra Grande, Corumbê
e Paraty Mirim (Município de Paraty)
·
Principais tipos de usos: Habitat de milhares de espécies nativas,
banho, recreação e natação nas praias; surf, iatismo e lazer náutico, passeio
de escunas, mergulhos contemplativos, pesca artesanal de linha e rede, pesca
industrial (arrasto, cerco e espinhel), amadora (embarcada ou na praia) e
submarina, coleta de invertebrados em manguezais e costões rochosos (mexilhões,
ostras), maricultura (produção de mexilhão Perna perna e vieira Nodipecten
nodosus), transporte interno de passageiros, infra-Estrutura Portuária para
Navegação Oceânica e suprimento de água para refrigeração industrial (Usina
Nuclear);
·
Principais empreendimentos litorâneos: Porto de Angra dos Reis, Terminal
da Baía de Ilha Grande – TEBIG, Central Nuclear de Angra dos Reis, Estaleiro
Brasfel, Marinas, Condomínios e Complexos Hoteleiros, Colégio Naval,
Atracadouros da Barcas SA, Parque Estadual da Ilha Grande, Reserva Biológica da
Praia do Sul, Parque Nacional da Bocaina e Estação Ecologica de Tamoios;
·
Impactos principais: Eutrofização, poluição por óleo, redução do espelho
de água, alteração hidrodinâmica e de movimentação de sedimentos, assoreamento,
redução de biodiversidade marinha, redução dos estoques de peixes e camarões,
perda de oportunidades de geração de empregos e renda;
Gestão Tradicional
A gestão tradicional
da baia de Ilha Grande sofre da mesma sindrome da baia de Sepetiba, sendo pulverizada,
incompleta e ineficiente devido a falta de uma instituição que lidere o processo.
É impossivel e inútil
gerenciar a pesca em um ecossistema, isolada dos demais usos.
Merece destacar
dois desafios a serem superados: o excesso de zoneamento e de colegiados. Quanto ao primeiro, visando proteger os
ecossistemas da região da baia de Ilha Grande, aqui entendido como o
ecossistema marinho da baia e sua bacia hidrográfica, os Governos Federais e
Estaduais criaram diversas unidades de conservação a partir de 1971, todas de
forma isolada e sem visão de planejamento regional.
Infelizmente, quase
todas permanecem em estágio rudimentar de implantação. O mais avançado aparentemente é o Parque
Estadual da Ilha Grande, graças aos salto que deu entre 2007-2009, embora tenha
sofrido um processo lento de estagnação pouco depois. O Parque Nacional da
Serra da Bocaina (1971) inaugurou a série, e fazia parte de um pacote que
envolvia os empreendimentos da BR-101 e a Usina Nuclear. Os dois últimos saíram
do papel e foram implantados. A Usina Nuclear esta sem sua terceira unidade. O
Parque, quarenta e um anos depois, permanece no papel.
Em sequência vieram
o Parque Estadual da Ilha Grande (1971), a Reserva Biológica da Praia do Sul
(1981), a APA Cairuçu (1983), a APA Tamoios (1986), a Estação Ecológica de
Tamoios (1990), a Reserva Ecológica Estadual da Juatinga (1991) e o Parque
Estadual Cunhambebe (2007).
Com o tempo, cada UC
teve estabelecido seu plano de manejo, zoneamento interno e as zonas de amortecimento
sem olhar para o lado, causando superposição. Fora isso, adiciona-se os
zoneamentos dos planos diretores dos municípios de Angra dos Reis e Paraty. O
resultado final é literalmente uma “zona”.
As superposições
tornam dificil a aplicação da lei, deixando tonto aqueles servidores que
trabalham na ponta. Na baia de Ilha Grande, um muitos locais há sobreposição
que chega a ser tripla ou quádrupla. A Ilha Grande somente tem quatro zoneamentos:
o da APA Tamoios, a da zona de amortecimento do PEIG, o da zona de
amortecimento da Estação Ecológica de Tamoios e o do Plano Diretor de Angra dos
Reis.
Com respeito ao excesso
de Colegiados, cabe destacar a presença dos seguintes: Comitê da Bacia, Comitê
do Mosaico Bocaina, Conselho Consultivo do Parque Estadual da Ilha
Grande/Reserva Biológica da Praia do Sul, Conselho Consultivo do Parque
Estadual Cunhambebe, Conselho Consultivo do Reserva Ecológica Estadual da
Juatinga, Conselho Consultivo do Parque Nacional da Serra da Bocaina, Conselho
Consultivo da Estação Ecologica de Tamoios, Conselho da APA do Cairuçu, Conselho
da APA Tamoios, Conselho Municipal de Meio Ambiente de Angra dos Reis e o Conselho
Municipal de Meio Ambiente de Paraty.
São onze colegiados
na mesma região! Conhecendo o nível de participação de nossa sociedade, não é
dificil estimar que a mesma pessoa está participando de vários e que este
arranjo institucional irá colapsar no futuro.
Rearranjo futuro das UCs, requisito
fundamental
Para o sucesso e
eficária da APA uma medida futura é crucial. Trata-se do entendimento entre a
SEA e o MMA, instâncias que efetivamente tomam decisões políticas, de que o
melhor para o ecossistema marinho da baía de Ilha Grande é que ele inteiro se
torne uma APA, e que ambos discutirão amplamente o assunto, envolvendo as
partes interessadas locais.
O processo de discussão
deve propor um novo cenário na APA, estabelecendo os arranjos nas unidades de
conservação que serão necessárias.
O novo cenário pode
ser o seguinte:
·
APA da Baía de Ilha Grande cobrindo o litoral continental em faixa de
largura variável cobrindo todos os manguezais, praias e costões rochosos até
determinada altura, o espaço marinho tridimencional (leito e coluna d’água) e
todas as ilhas, sendo delimitado à leste pela canal de navegação balizado, separando-a
da APA da Baia de Sepetiba;
·
APA Tamoios extinta;
·
APA do Cairuçu redelimitada, transferindo as ilhas e o litoral para a Apa
da Baia de Ilha Grande;
Para criação da APA, é necessário um decreto determinando que a APA
Tamoios seja renomeada para APA da Baia de Ilha Grande, com novo limite. E um projeto
de lei federal redelimitando a APA de Cairuçu, retirado a parte marinha e o
litoral (esta APA passa a ser integralmente terrestre). Talvez, ao invés de PL,
a mudança possa ser feita por Decreto Federal, já que o espaço continuará como
APA.
A segunda fase
seria definir um cenário futuro mais definitivo, olhando tanto a baia quanto a
Região Hidrográfica.
A alternativa podem
contemplar:
·
APA Marinha da Baia de Ilha Grande, com áreas
mais restritas para a pesca, como parte dos sacoc do Mamanguá, do Céu, Ribeira
e outras, que funcionariam como produtores de peixes para toda a baia;
·
APA do Cairuçu restrita a parte terrestre
montanhosa;
·
Parque Nacional da Bocaina absorvendo a
Estação Ecológica de Tamoios, agregando áreas marinhas altamente valiosas para
visitação e proteção, reavaliando-se a viabilidade e a efetividade de manter todas
as área de entorno marinho de um quilômetro;
·
Parque Estadual de Paraty estabelecido a partir da fusão do Área Estadual
de Lazer de Paraty com a Reserva Ecológica da Juatinga, com mudança de limites,
podendo incluir ilhas;
·
Parque Estadual da Ilha Grande ampliado, absorvendo encostas no entorno,
pequenas ilhas desabitadas e alguma enseadas, conforme o Plano de Manejo;
·
Reserva Biológica da Praia do Sul implantada, contando com Plano de
Manejo;
·
Reserva de
Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Aventureiro implantada;
·
Reserva de
Desenvolvimento Sustentável (RDS) da Juatinga reunindo setores separados, com
comunidades Caiçaras;
·
Parque Municipal Costeiro
e Marinho de Angra dos Reis contendo ilhas e praias separadas;
·
Parque Municipal Costeiro
e Marinho de Paraty contendo ilhas e praias separadas;
Uma alternativa que pode ser avaliada é a criação do Parque Nacional
da Mata Atlântica do Sudeste, a partir da fusão de cinco unidades de
conservação: Parque Nacional da Bocaina, Reserva Ecológica da Juatinga, Parque
Estadual Cunhambebe, Estação Ecológica de Tamoios, Reserva Biológica do Tinguá
e ARIE da Cicuta, com sede em Angra dos Reis e sub-sedes. Seria semelhante ao
parque estadual da Serra do Mar em São Paulo, que tem 315 mil ha e é administrado por setores sob comando único.
A grande vantagem é por diversos ecossistemas sob comando e política unificada,
e ter apenas uma equipe, plano de manejo e orçamento, podendo ser gerenciado em
parceria com os Estados de São Paulo e Rio de Janeiro.
Zoneamento, uma
demanda estratégica
A APA do
Ecossistema Marinho da Baia da Ilha Grande faz sentido somente se for
estabelecida com base em processo construtivo reunindo os principais atores
regionais como prefeituras, empresas e sociedade civil. APAs, como qualquer
unidade de conservação, precisam nascer com padrinhos para que possa ser também
uma instrumento de resoluçao de conflitos, ao invés de acirrá-los.
A forma mais
democrática e eficiente de viabilizar a APA da BIG é logo após criação iniciar o
processo de conhecer em detalhe os usos multiplos atuais (recreação, pesca,
industria naval, porto, UCs ) e as demandas dos diversos setores de usuários, e
as ameaças e oportunidades, passando para discussão do zoneamento
ecológico-econômico. O parceria com a FAO e o GEF é uma poderosa ferramenta
para atingir este objetivo. É fundamental que a baia tenha apenas um só
zoneamento, e que os municipios ajustem seus planos diretores. Pode parecer
trabalhoso, mas não há outra opção.
Atenção para as Ilhas
A gestão de muitas ilhas e a definição do uso futuro, que são bens da União, tem sido ditada pelo mercado, ao invés de fazer parte de uma politica pública.
Uma minoria se beneficia do comércio de ativos públicos que movimentam milhões
de reais. É preciso intervir no processo antes que a baia se torne um
arquipélago de uso exclusivo de milionários. Ilhas devem ser incorporadas aos
parques para que toda população tenha acesso. Outras devem ser cedidas para uso
de caiçaras, como correu recentemente no Estado de São
Paulo. Eles também possuem este direito. E a ocupaçao de todas elas deve ser
objeto de licenciamento ambiental do INEA, já que nem o SPU nem os municípios conseguem
exercer esta função
Uma visão sobre a futura
APA da BIG
Para finalizar, eis como vejo a APA no futuro:
·
Chefe da APA sendo um servidor concursado do INEA,
selecionado e treinado para a função, subordinado diretamente ao
Superintendente Regional, provendo liderança e capacidade de articulação;
·
Conselho Gestor da APA com a presença de
representantes do INEA, DRM, FIPERJ, UERJ e outras órgãos do estado
(desenvolvimento econômico, transporte, pesca, defesa civil), de órgãos
federais (IBAMA, Capitania dos Portos, CDRJ, ANTAQ, etc), das prefeituras de Angra
dos Reis e Paraty, sociedade civil e usuários (portos, marinas, pesca, turismo,
etc);
·
Centro de Gerenciamento Ambiental da Baia de Ilha
Grande instalado em Angra dos Reis, funcionando como sede da APA, com salas do
chefe da APA, de técnicos do INEA, FIPERJ, Batalhão Florestal (posto),
atendimento ao público, além de cais com embarcação;
·
Unidade descentralizada do Centro de gerenciamento implantada na Vila do Abraão (Ilha
Grande);
· Sistema geográfico de informações da baia e modelo matemático
de circulação operados pelo Centro;
· Zoneamento Ambiental dos Usos Múltiplos construído
coletivamente no âmbito do Conselho, apoiado na legislação, de modo a conciliar
as diversas atividades e indicar as áreas onde a proteção será mais intensa (mangues,
áreas rasas, etc) e aquelas que precisam de recuperação (manguezais, ilhas e
costões rochosos degradados, sedimentos contaminados, praias erodidas,
etc)
· Regulamentos específicos para lazer náutico, pesca,
coleta de invertebrados, navegação, água de lastro e outras atividades,
emanados pelo INEA, IBAMA e outros instituições.
· Câmaras instaladas em pontos estratégicos, com amplas
vistas das diversas enseadas, para
auxiliar a fiscalização;
· Estado ambiental da baia (hidrodinâmica, qualidade das
águas e sedimentos, comunidades biológicas do plâncton e bentos, peixes,
tartarugas marinhas, cetáceos, praias e manguzais, usos humanos) melhor
conhecido graças a pesquisa de um pool de universidades, com financiamento da
FAPERJ, e aos dados gerados pelo projeto de monitoramento;
·
Situação patrimonial, ambiental e de ocupação de todas
as ilhas conhecida;
· Volume de lixo recebido pelos rios retido em
ecobarreiras administradas pelos municípios;
·
Costões rochosos, praias e manguezais livres de
ocupações irregulares;
· Lancha do INEA patrulhando diuturnamente a baía,
contando com efetivos embarcados do Batalhão Florestal, IBAMA e Polícia
Federal;
· Pesca artesanal e aquicultura de espécies nativas
fortalecidas e pesca de arrasto banida da baia, assim como aquicultura de
espécies exóticas;
·
Todos portos, estaleiros e marinas com licença ambiental
e Certificados ISO 14.000, inspecionados semestralmente pelo INEA;
·
Todas as ilhas e manhuezais inspecionados
regularmente;
·
Volume
de esgotos reduzido;
· Todos os ma*nguezais convertidos em refúgios da vida
selvagem ou reserva extrativistas gerenciadas pela APA;
·
Plano de Manejo com projetos de comunicação-educação
ambiental, monitoramento, recuperação ambiental e fiscalização;
·
Custos de gestão rateados pelo INEA, Prefeituras e os
principais usuários;
·
Centro de Visitantes da Baia de Ilha Grande instalado
em Angra dos Reis e operado pela Turisrio, recebendo milhares de estudantes,
moradores e turistas em busca de informações sobre o ecossistema e sobre o que
há para ver e fazer na baia e na costa, impulsionando o turismo e a geração de
empregos;
Por fim, creio
que a Baía da Ilha Grande e não somente a Ilha Grande, reune todas as condições
para ser um Sítio do Patrimônio Natural e Histórico da Humanidade reconhecido
pela UNESCO.