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27 de fevereiro de 2012

O Desafio das APAs no Estado do Rio de Janeiro: V - A APA Marinha da Baia de Ilha Grande

A criação da APA da Baia de Ilha Grande é um desafio mais trabalhoso que a da APA da Baia de Sepetiba. Para dar certo, depende de um acordo reunindo principalmente o INEA, ICMBio, IBAMA, Prefeituras de Angra dos Reis e Paraty, sociedade e usuários econômicos (ong’s ambientalistas, pescadores, catadores, marinas, estaleiros, portos, usina nuclear, empresas de navegação, empresas de passeios de escuna e outros).

Instituir a APA sem planejamento de longo prazo irá piorar o quadro confuso de diversas unidades de conservação com zoneamento superpostos, que foram criadas isoladamente ao longo dos anos, sem olhar para a baía como um todo. Será adicionar mais sal em um prato já salgado, matando a iniciativa, sem duvida estratégica para o futuro da baia. A APA da Baia de Ilha Grande só é viavel no futuro a partir de um rearranjo das unidades de conservação federais, estaduais e municipais, de tal sorte que a baia inteira seja uma única APA com um único zoneamento ecológico-econômico que defina oficialmente o uso futuro de cada espaço marinho tridimensional, ilha, praia e de trechos do litoral mais próximo.

Desde 2009 tenho defendido este ponto de vista, tendo abordado o assunto novamente em abril de 2010, em artigo neste blog.     

O Ecossistema Marinho da Baia de Ilha Grande

A baia de Ilha Grande é um ecossistema marinho que apresenta as seguintes características:

·         Superfície total de 1.728 km², sendo 203 km² correpondendo as ilhas;  

·         Litoral continental e insular com 757 km;

·         187 ilhas, ilhotes, lajes e parcéis. As maiores ilhas são Grande, Jipóia, Algodão, Araújo e Sandri, seguidas de Cunhambembe, Araraquara, Cedro, Meros, Jorge Grego, Paquetá, dos Porcos Grandes, Cedro, Mantimento, Cairucú, das Pedras e Macacos.  A propalada existência de 365 ilhas é um engodo;

·         Principais Cidades e Vilas Litorâneas: Angra dos Reis, Monsuaba, Jacuacanga, Frade (Cunhambebe), Mambucaba, Vila do Abraão e Provetá (Município de Angra dos Reis); Paraty, Tarituba, Taquari, São Roque, Barra Grande, Corumbê e Paraty Mirim (Município de Paraty)

·         Principais tipos de usos: Habitat de milhares de espécies nativas, banho, recreação e natação nas praias; surf, iatismo e lazer náutico, passeio de escunas, mergulhos contemplativos, pesca artesanal de linha e rede, pesca industrial (arrasto, cerco e espinhel), amadora (embarcada ou na praia) e submarina, coleta de invertebrados em manguezais e costões rochosos (mexilhões, ostras), maricultura (produção de mexilhão Perna perna e vieira Nodipecten nodosus), transporte interno de passageiros, infra-Estrutura Portuária para Navegação Oceânica e suprimento de água para refrigeração industrial (Usina Nuclear);

·         Principais empreendimentos litorâneos: Porto de Angra dos Reis, Terminal da Baía de Ilha Grande – TEBIG, Central Nuclear de Angra dos Reis, Estaleiro Brasfel, Marinas, Condomínios e Complexos Hoteleiros, Colégio Naval, Atracadouros da Barcas SA, Parque Estadual da Ilha Grande, Reserva Biológica da Praia do Sul, Parque Nacional da Bocaina e Estação Ecologica de Tamoios;   

·         Impactos principais: Eutrofização, poluição por óleo, redução do espelho de água, alteração hidrodinâmica e de movimentação de sedimentos, assoreamento, redução de biodiversidade marinha, redução dos estoques de peixes e camarões, perda de oportunidades de geração de empregos e renda;

Gestão Tradicional  

A gestão tradicional da baia de Ilha Grande sofre da mesma sindrome da baia de Sepetiba, sendo pulverizada, incompleta e ineficiente devido a falta de uma instituição que lidere o processo. É impossivel e inútil gerenciar a pesca em um ecossistema, isolada dos demais usos.

Merece destacar dois desafios a serem superados: o excesso de zoneamento e de colegiados. Quanto ao primeiro, visando proteger os ecossistemas da região da baia de Ilha Grande, aqui entendido como o ecossistema marinho da baia e sua bacia hidrográfica, os Governos Federais e Estaduais criaram diversas unidades de conservação a partir de 1971, todas de forma isolada e sem visão de planejamento regional.  

Infelizmente, quase todas permanecem em estágio rudimentar de implantação. O  mais avançado aparentemente é o Parque Estadual da Ilha Grande, graças aos salto que deu entre 2007-2009, embora tenha sofrido um processo lento de estagnação pouco depois. O Parque Nacional da Serra da Bocaina (1971) inaugurou a série, e fazia parte de um pacote que envolvia os empreendimentos da BR-101 e a Usina Nuclear. Os dois últimos saíram do papel e foram implantados. A Usina Nuclear esta sem sua terceira unidade. O Parque, quarenta e um anos depois, permanece no papel.

Em sequência vieram o Parque Estadual da Ilha Grande (1971), a Reserva Biológica da Praia do Sul (1981), a APA Cairuçu (1983), a APA Tamoios (1986), a Estação Ecológica de Tamoios (1990), a Reserva Ecológica Estadual da Juatinga (1991) e o Parque Estadual Cunhambebe (2007).

Com o tempo, cada UC teve estabelecido seu plano de manejo, zoneamento interno e as zonas de amortecimento sem olhar para o lado, causando superposição. Fora isso, adiciona-se os zoneamentos dos planos diretores dos municípios de Angra dos Reis e Paraty. O resultado final é literalmente uma “zona”.

As superposições tornam dificil a aplicação da lei, deixando tonto aqueles servidores que trabalham na ponta. Na baia de Ilha Grande, um muitos locais há sobreposição que chega a ser tripla ou quádrupla. A Ilha Grande somente tem quatro zoneamentos: o da APA Tamoios, a da zona de amortecimento do PEIG, o da zona de amortecimento da Estação Ecológica de Tamoios e o do Plano Diretor de Angra dos Reis.

Com respeito ao excesso de Colegiados, cabe destacar a presença dos seguintes: Comitê da Bacia, Comitê do Mosaico Bocaina, Conselho Consultivo do Parque Estadual da Ilha Grande/Reserva Biológica da Praia do Sul, Conselho Consultivo do Parque Estadual Cunhambebe, Conselho Consultivo do Reserva Ecológica Estadual da Juatinga, Conselho Consultivo do Parque Nacional da Serra da Bocaina, Conselho Consultivo da Estação Ecologica de Tamoios, Conselho da APA do Cairuçu, Conselho da APA Tamoios, Conselho Municipal de Meio Ambiente de Angra dos Reis e o Conselho Municipal de Meio Ambiente de Paraty.  

São onze colegiados na mesma região! Conhecendo o nível de participação de nossa sociedade, não é dificil estimar que a mesma pessoa está participando de vários e que este arranjo institucional irá colapsar no futuro.

Rearranjo futuro das UCs, requisito fundamental

Para o sucesso e eficária da APA uma medida futura é crucial. Trata-se do entendimento entre a SEA e o MMA, instâncias que efetivamente tomam decisões políticas, de que o melhor para o ecossistema marinho da baía de Ilha Grande é que ele inteiro se torne uma APA, e que ambos discutirão amplamente o assunto, envolvendo as partes interessadas locais.

O processo de discussão deve propor um novo cenário na APA, estabelecendo os arranjos nas unidades de conservação que serão necessárias.   

O novo cenário pode ser o seguinte:

·         APA da Baía de Ilha Grande cobrindo o litoral continental em faixa de largura variável cobrindo todos os manguezais, praias e costões rochosos até determinada altura, o espaço marinho tridimencional (leito e coluna d’água) e todas as ilhas, sendo delimitado à leste pela canal de navegação balizado, separando-a da APA da Baia de Sepetiba;         

·         APA Tamoios extinta; 

·         APA do Cairuçu redelimitada, transferindo as ilhas e o litoral para a Apa da Baia de Ilha Grande;

Para criação da APA, é necessário um decreto determinando que a APA Tamoios seja renomeada para APA da Baia de Ilha Grande, com novo limite. E um projeto de lei federal redelimitando a APA de Cairuçu, retirado a parte marinha e o litoral (esta APA passa a ser integralmente terrestre). Talvez, ao invés de PL, a mudança possa ser feita por Decreto Federal, já que o espaço continuará como APA.  

A segunda fase seria definir um cenário futuro mais definitivo, olhando tanto a baia quanto a Região Hidrográfica.

A alternativa podem contemplar:

·         APA Marinha da Baia de Ilha Grande, com áreas mais restritas para a pesca, como parte dos sacoc do Mamanguá, do Céu, Ribeira e outras, que funcionariam como produtores de peixes para toda a baia;      

·         APA do Cairuçu restrita a parte terrestre montanhosa;

·         Parque Nacional da Bocaina absorvendo a Estação Ecológica de Tamoios, agregando áreas marinhas altamente valiosas para visitação e proteção, reavaliando-se a viabilidade e a efetividade de manter todas as área de entorno marinho de um quilômetro;

·         Parque Estadual de Paraty estabelecido a partir da fusão do Área Estadual de Lazer de Paraty com a Reserva Ecológica da Juatinga, com mudança de limites, podendo incluir ilhas;

·         Parque Estadual da Ilha Grande ampliado, absorvendo encostas no entorno, pequenas ilhas desabitadas e alguma enseadas, conforme o Plano de Manejo;

·         Reserva Biológica da Praia do Sul implantada, contando com Plano de Manejo;

·         Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Aventureiro implantada;

·         Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) da Juatinga reunindo setores separados, com comunidades Caiçaras;

·         Parque Municipal Costeiro e Marinho de Angra dos Reis contendo ilhas e praias separadas;

·         Parque Municipal Costeiro e Marinho de Paraty contendo ilhas e praias separadas;

Uma alternativa que pode ser avaliada é a criação do Parque Nacional da Mata Atlântica do Sudeste, a partir da fusão de cinco unidades de conservação: Parque Nacional da Bocaina, Reserva Ecológica da Juatinga, Parque Estadual Cunhambebe, Estação Ecológica de Tamoios, Reserva Biológica do Tinguá e ARIE da Cicuta, com sede em Angra dos Reis e sub-sedes. Seria semelhante ao parque estadual da Serra do Mar em São Paulo, que tem 315 mil ha e é administrado por setores sob comando único. A grande vantagem é por diversos ecossistemas sob comando e política unificada, e ter apenas uma equipe, plano de manejo e orçamento, podendo ser gerenciado em parceria com os Estados de São Paulo e Rio de Janeiro.

Zoneamento, uma demanda estratégica

A APA do Ecossistema Marinho da Baia da Ilha Grande faz sentido somente se for estabelecida com base em processo construtivo reunindo os principais atores regionais como prefeituras, empresas e sociedade civil. APAs, como qualquer unidade de conservação, precisam nascer com padrinhos para que possa ser também uma instrumento de resoluçao de conflitos, ao invés de acirrá-los.   

A forma mais democrática e eficiente de viabilizar a APA da BIG é logo após criação iniciar o processo de conhecer em detalhe os usos multiplos atuais (recreação, pesca, industria naval, porto, UCs ) e as demandas dos diversos setores de usuários, e as ameaças e oportunidades, passando para discussão do zoneamento ecológico-econômico. O parceria com a FAO e o GEF é uma poderosa ferramenta para atingir este objetivo. É fundamental que a baia tenha apenas um só zoneamento, e que os municipios ajustem seus planos diretores. Pode parecer trabalhoso, mas não há outra opção. 

Atenção para as Ilhas

A gestão de muitas ilhas e a definição do uso futuro, que são bens da União, tem sido ditada pelo mercado, ao invés de fazer parte de uma politica pública. Uma minoria se beneficia do comércio de ativos públicos que movimentam milhões de reais. É preciso intervir no processo antes que a baia se torne um arquipélago de uso exclusivo de milionários. Ilhas devem ser incorporadas aos parques para que toda população tenha acesso. Outras devem ser cedidas para uso de caiçaras, como correu recentemente no Estado de São Paulo. Eles também possuem este direito. E a ocupaçao de todas elas deve ser objeto de licenciamento ambiental do INEA, já que nem o SPU nem os municípios conseguem exercer esta função  

Uma visão sobre a futura APA da BIG

Para finalizar, eis como vejo a APA no futuro:

·         Chefe da APA sendo um servidor concursado do INEA, selecionado e treinado para a função, subordinado diretamente ao Superintendente Regional, provendo liderança e capacidade de articulação;   

·         Conselho Gestor da APA com a presença de representantes do INEA, DRM, FIPERJ, UERJ e outras órgãos do estado (desenvolvimento econômico, transporte, pesca, defesa civil), de órgãos federais (IBAMA, Capitania dos Portos, CDRJ, ANTAQ, etc), das prefeituras de Angra dos Reis e Paraty, sociedade civil e usuários (portos, marinas, pesca, turismo, etc);  

·         Centro de Gerenciamento Ambiental da Baia de Ilha Grande instalado em Angra dos Reis, funcionando como sede da APA, com salas do chefe da APA, de técnicos do INEA, FIPERJ, Batalhão Florestal (posto), atendimento ao público, além de cais com embarcação;

·         Unidade descentralizada do Centro de gerenciamento implantada na Vila do Abraão (Ilha Grande);  

·        Sistema geográfico de informações da baia e modelo matemático de circulação operados pelo Centro; 

·        Zoneamento Ambiental dos Usos Múltiplos construído coletivamente no âmbito do Conselho, apoiado na legislação, de modo a conciliar as diversas atividades e indicar as áreas onde a proteção será mais intensa (mangues, áreas rasas, etc) e aquelas que precisam de recuperação (manguezais, ilhas e costões rochosos degradados, sedimentos contaminados, praias erodidas, etc)  

·        Regulamentos específicos para lazer náutico, pesca, coleta de invertebrados, navegação, água de lastro e outras atividades, emanados pelo INEA, IBAMA e outros instituições.    

·        Câmaras instaladas em pontos estratégicos, com amplas vistas das  diversas enseadas, para auxiliar a fiscalização;

·        Estado ambiental da baia (hidrodinâmica, qualidade das águas e sedimentos, comunidades biológicas do plâncton e bentos, peixes, tartarugas marinhas, cetáceos, praias e manguzais, usos humanos) melhor conhecido graças a pesquisa de um pool de universidades, com financiamento da FAPERJ, e aos dados gerados pelo projeto de monitoramento;

·         Situação patrimonial, ambiental e de ocupação de todas as ilhas conhecida;

·        Volume de lixo recebido pelos rios retido em ecobarreiras administradas pelos municípios;  

·         Costões rochosos, praias e manguezais livres de ocupações irregulares;   

·        Lancha do INEA patrulhando diuturnamente a baía, contando com efetivos embarcados do Batalhão Florestal, IBAMA e Polícia Federal; 

·        Pesca artesanal e aquicultura de espécies nativas fortalecidas e pesca de arrasto banida da baia, assim como aquicultura de espécies exóticas;

·         Todos portos, estaleiros e marinas com licença ambiental e Certificados ISO 14.000, inspecionados semestralmente pelo INEA;

·         Todas as ilhas e manhuezais inspecionados regularmente;

·         Volume de esgotos reduzido; 

·        Todos os ma*nguezais convertidos em refúgios da vida selvagem ou reserva extrativistas gerenciadas pela APA;  

·         Plano de Manejo com projetos de comunicação-educação ambiental, monitoramento, recuperação ambiental e fiscalização;

·         Custos de gestão rateados pelo INEA, Prefeituras e os principais usuários;

·         Centro de Visitantes da Baia de Ilha Grande instalado em Angra dos Reis e operado pela Turisrio, recebendo milhares de estudantes, moradores e turistas em busca de informações sobre o ecossistema e sobre o que há para ver e fazer na baia e na costa, impulsionando o turismo e a geração de empregos;

Por fim, creio que a Baía da Ilha Grande e não somente a Ilha Grande, reune todas as condições para ser um Sítio do Patrimônio Natural e Histórico da Humanidade reconhecido pela UNESCO.

Paulo Bidegain